Em Lousada, no Porto, Lisboa, Paris, no mundo… O assédio laboral pode estar em todo o lado, independentemente das funções que se exerça, tratando-se, segundo estudos recentes, de um fenómeno crescente e transversal a todos os trabalhadores. O estudo do fenómeno tem suscitado o interesse dos investigadores, sobretudo pelas consequências negativas para a saúde física, psicológica, mental, social e familiar daqueles que o sofrem na pele.
A lousadense Regina Sampaio, advogada há mais de duas décadas, tem chamado a atenção para a nova lei, que visa o reforço da prevenção e do combate à prática de assédio no setor privado e na administração pública e entrou em vigor no passado dia 1 de outubro. Tratam-se de alterações operadas no Código do Trabalho, Código de Processo de Trabalho e Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas. Estas alterações obrigam as empresas com 7 ou mais trabalhadores a disporem de código de boa conduta para a prevenção e combate ao assédio no trabalho, incorrendo em contraordenação grave se o não fizerem.
Para Regina Sampaio, estas alterações vêm “reforçar a lei anterior”, que já era “muito avançada a nível da Europa”. “Esta lei veio reforçar, proteger mais as pessoas”, diz. O quadro legal é, neste momento, por isso, suficiente para acautelar situações de assédio, no entanto, como nota a advogada, “o problema maior é o desconhecimento das pessoas da existência da lei e da proteção que existe a este nível”.
Mas, afinal, o que é o assédio laboral?
Uma pesquisa rápida na Infopédia, mostra-nos a sua origem no latim “obsidiu”, que significa “cerco”. Assim, a palavra “assédio” significa o conjunto de operações que visam a conquista de uma posição inimiga. Em sentido figurado pode designar, portanto, uma perseguição insistente, em geral com o objetivo de conseguir algo.
No âmbito do assédio laboral, é mais comum ouvir-se falar em assédio sexual, que, segundo a mesma fonte, se refere ao conjunto de atos ou comportamentos por parte de alguém em posição privilegiada, que ameaçam sexualmente uma pessoa. Mais frequente mas, provavelmente, menos identificado como tal, é o assédio moral, designação que abarca a pressão psicológica exercida sobre alguém com quem se tem uma relação de poder. Segundo Regina Sampaio, o assédio moral pode revestir-se de diferentes formas, desde “a retirada de funções ou regalias que até ali existiam, ao longo do tempo e de forma reiterada, intencional, para aquela pessoa em causa”, exemplifica, continuando: “O assédio moral tem de ser de forma repetida, reiterada, com o objetivo mesmo de atingir a dignidade da pessoa visada e com o objetivo final de ela desistir do posto de trabalho”.
Noémia Carvalho, psicóloga e autora do livro do qual falaremos mais adiante, elenca alguns comportamentos que podem configurar casos de assédio moral: “local de trabalho indeterminado, definição de metas inatingíveis, isolamento do funcionário e impedi-lo de contactar com os outros, ligar a altas horas, pedir coisas que não sejam da competência do funcionário, controle do tempo de ida à casa de banho. Existem muitas formas e comportamentos indignos que o assédio moral abrange. O objetivo é excluir a pessoa do seu trabalho, prejudicá-la a nível profissional”, remata.
O que muda com a nova lei?
Um estudo desenvolvido pelo CIEG (Centro Interdisciplinar de Estudos de Género) do ISCSP, para a CITE, concluiu que 16,5% da população ativa portuguesa já foi alguma vez vítima de assédio moral durante a sua vida profissional e que 12,6% sofreu uma qualquer forma de assédio sexual no local de trabalho. Estes números foram suficientes para se pensar em alterações legislativas. Até porque, como salienta Regina Sampaio, estes números não se aproximam sequer do número de casos que são denunciados e chegam a tribunal. “São poucos os casos que chegam a tribunal. Na minha prática profissional, só dois trabalhadores acabaram por ser reintegrados até hoje. Noutros casos que tive, acabaram por chegar a acordo com a entidade patronal, sendo ressarcidos de forma justa mas perderam o posto de trabalho. Realmente são poucos que acabam no tribunal”, reitera.
Para incentivar a denúncia, a nova lei protege os ofendidos e testemunhas neste âmbito. Regina dá exemplos: “Os patrões não podem fazer processos disciplinares no ano em que as pessoas efetuam a denúncia, tanto para as pessoas que denunciam como para as testemunhas, o que é importante, pois as pessoas sentem-se mais protegidas para poderem fazer a denúncia”.
A nova lei proíbe todos os tipos de assédio no trabalho, mesmo que os mesmo não aconteça no local de trabalho. Como realça a advogada lousadense, o assédio moral, há muito previsto na lei, “é um comportamento indesejado, que pode afetar, e afeta, a dignidade da pessoa no trabalho e até fora do local de trabalho, por telefone e por e-mail, cujo fim é precisamente degradar o posto de trabalho, levando as pessoas a desistirem desse mesmo posto”.
Para além destas alterações, o despedimento passa a ser considerado abusivo quando as falhas de desempenho das funções são decorrentes do assédio. Isto porque se considera que o desgaste provocado no trabalhador pode fazer com que este deixe de ser capaz de desempenhar as suas funções corretamente. Se a situação de incapacidade levar o trabalhador à baixa médica, os custos relacionados com as doenças profissionais decorrentes do assédio serão imputadas à empresa. Neste sentido, casos de depressão poderão ser acrescentados à lista de doenças profissionais. A regulamentação desta situação é uma promessa do atual Governo.
Os pejuízos para as empresas irão para além dos monetários. Estas poderão ter muito a perder caso se verifiquem condenações por assédio, como explica Regina Sampaio: “O facto de as empresas condenadas neste tipo de prática passarem a constar numa lista pública da ACT (Autoridade para as Condições de Trabalho) tem muitos custos a nível de imagem.” Trata-se de uma sanção acessória obrigatória.
A quem recorrer?
Se sente que é alvo de assédio moral ou sexual, não precisa de meios financeiros para obter apoio jurídico ou psicológico. Regina Sampaio explica que “a autoridade para as condições de trabalho tem neste momento criado um portal eletrónico para quem quiser efetuar denúncias de agressão moral”.
“Assédio Laboral”, o livro que aborda tudo o que precisa saber sobre o assunto
Noémia Carvalho é a autora do livro “Assédio laboral”. Para Regina Sampaio, amiga da autora, “este livro é uma ferramenta importante de trabalho”.
Licenciada em Psicologia Clínica e pós-graduada em Terapia Cognitivo-Comportamental, a exercer funções no Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa, a psicóloga Noémia Carvalho foi desafiada por um amigo para a escrita do livro. “Surgiu com um convite de um amigo que estava a passar por uma situação de assédio no trabalho e que me contou todas as situações da violência psicológica que estava sofrendo. Desafiou-me a escrever este livro, no sentido de informar as pessoas deste flagelo, que é terrível e que não é muito visível”, conta.
No exercício das funções de psicóloga, Noémia Carvalho tem tomado conhecimento de vários casos de assédio, o que lhe permite avaliar as suas consequências: “As consequências são terríveis, tanto a nível psicológico, como até físico, afetando a família, a nível social… O que sinto mais frequentemente são problemas psicológicos gravíssimos, tais como ansiedade generalizada, situações de depressões, distúrbios de apetite, uma série de sintomas psicossomáticos, que acabam por transtornar o paciente e, quando nós vamos tentar perceber onde tudo isto começou, verificamos que se deve agressões psicológicas contínuas, sistemáticas e decorrentes a longo prazo, que afetam gravemente a nível psicológico e que podem a chegar a suicídio”.
Como é que estas situações chegam tão longe? Esta é a pergunta que se impõe. A psicóloga esclarece: “As vítimas sentem que é um problema, mas muitas vezes começa de uma forma camuflada. As situações vão minando o trabalhador. Se no início ele não estava tão sensibilizado para estas situações, como é continuado, acaba por perceber isto como uma situação violenta e as consequências começam a vir: começa a ter uma baixa autoestima, sentimentos de incapacidade, começa a duvidar das suas competências pessoais, começa a ter problemas de memória, atenção e concentração e isso, claro, refletir-se-á na produção, e a pessoa começa a questionar-se, ficando fragilizado, duvidando da sua própria competência”.
Regina Sampaio explica, ainda, que a acusação é dificultada pelo abalo psicológico que o trabalhador está a sofrer: “As pessoas são afetadas muitos psicologicamente, sentem vergonha, pois muitas vezes exercem cargos de responsabilidade, com uma boa ascensão na carreira, que tiveram sempre bons resultados e, de repente, deparam-se com uma situação destas. Há muito a vergonha das pessoas denunciarem o que se está a passar com elas, até com a própria família. Muitas vezes a própria pessoa pode-se sentir frágil, questionando-se a si próprio pela falta de desempenho”.
Sobre o principal objetivo do livro, Noémia Carvalho diz que é passar “a palavra do sofrimento da vítima que está descrita e que sirva de exemplo para todos os que estão a sofrer este tipo de agressão”.
Por Manuel Pinho
https://yeslousada.pt/2017/10/23/assedio-laboral-ninguem-esta-a-salvo/