Na China, mulheres que aderiram ao movimento #MeToo, denunciando casos de assédio ou abuso sexual, dizem estar a ser silenciadas e a sofrer represálias. Algumas delas enfrentam mesmo processos em tribunal por homens que alegadamente as assediaram. O mais recente caso aconteceu com uma trabalhadora da gigante do comércio online Alibaba, que foi despedida após denunciar uma agressão sexual. A mulher em questão reportou aos Recursos Humanos da empresa dois casos de alegado assédio sexual cometidos por trabalhadores da Alibaba contra a sua pessoa, mas este setor da empresa ter-se-á recusado a lidar com a acusação.
Segundo a mulher, cujo apelido é Zhou, um funcionário da empresa e um cliente abusaram dela durante uma viagem de trabalho em julho deste ano. Zhou diz ter acordado no seu quarto de hotel com o colega a beijá-la e acusou o cliente de a ter assediado durante um jantar.
Depois de ter contado a situação aos Recursos Humanos e de estes lhe terem virado as costas, a mulher dirigiu-se ao bar da sede da empresa e contou aos gritos, perante todos os clientes, o que lhe tinha sucedido.
Pouco tempo depois, um então vice-presidente da Alibaba foi forçado a renunciar a funções e avançou com um processo de difamação contra a trabalhadora.
A polícia deteve em agosto os dois homens acusados por Zhou, por suspeita de a molestarem e coagirem, mas libertou-os ao fim de 15 dias, que é o período máximo durante o qual indivíduos podem estar detidos sob suspeita. Os procuradores levantaram, entretanto, a queixa contra o funcionário, apesar de este ter sido despedido pela Alibaba.
As mulheres dos dois homens que Zhou acusou já vieram a público negar as acusações contra os maridos. A queixosa diz ter enfrentado perseguição online e, no mês passado, acabou mesmo por ser despedida pela Alibaba, através de uma carta que a acusava de prejudicar a empresa.
Segundo a gigante do comércio online, a funcionária foi dispensada por “espalhar informações falsas” sobre o alegado assédio e sobre o modo como a empresa lidou com o caso.
Represálias podem aumentar receios das vítimas
O caso é divulgado depois de, no mês passado, a ex-jogadora chinesa de ténis Peng Shuai ter deixado de ser vista em público após acusar um antigo membro do Governo, Zhang Gaoli, de assédio sexual.
A acusação da atleta, que tinha sido exposta online, foi eliminada e, até hoje, continua a ser censurada a discussão pública sobre a mesma. Ativistas dos direitos das mulheres acreditam que estas represálias podem levar menos mulheres a denunciar este tipo de crimes.
“Isto ajuda quem pratica essas ações erradas e piora ainda mais o ambiente nos locais de trabalho. É um ataque direto às próximas mulheres que queiram fazer denúncias”, disse à agência Associated Press a ativista Zhou Xiaoxuan.
A antiga funcionária da Alibaba disse entretanto ao jornal local chinês Dahe Daily que não iria encorajar outras mulheres a falarem sobre os seus casos de assédio, tendo em conta a experiência pela qual passou depois de ela própria o fazer.
À Associated Press garantiu, porém, que iria continuar a sua luta. “Acredito que, se existe pelo menos um caso em que uma pessoa foi despedida por reclamar os seus direitos, então pode haver muitos mais casos e essas vítimas podem ter ainda mais dificuldade em conseguir justiça”, lamentou.
Tribunais chineses com apenas 83 casos de assédio em dois anos
Um estudo recente da universidade norte-americana Yale Law School revelou que, nas bases de dados dos tribunais chineses, constam apenas 83 casos relacionados com queixas de assédio sexual ou violação entre 2018 e 2020.
Desses casos, 77 não partiram de alegadas vítimas de assédio mas sim de empresas ou de alegados abusadores sexuais, que processaram as supostas vítimas. Apenas seis dos casos pertenciam a pessoas que apresentaram queixa de assédio sexual.
Os dados revelam que a maioria das poucas mulheres que denunciaram este tipo de actuações na China durante o movimento #MeToo foi surpreendida com processos de difamação que acabaram por perder em tribunal. Entre elas estão as jornalistas Zou Sicong e He Qian, que em janeiro viram um tribunal determinar que tinham difamado outro colega jornalista.
Em 2019, um tribunal determinou que uma jovem mulher deveria emitir um pedido de desculpas formal a Zhou Fei, um responsável da organização ambientalista World Wildlife Fund, por o ter acusado de a beijar à força enquanto trabalhavam juntos.
Ativistas do #MeToo na China têm apelado a alterações na lei chinesa, incluindo a criação de uma definição para “assédio sexual” no Código Civil. Criticam também que a lei não preveja quaisquer castigos para agressores. Neste momento, essas punições estão nas mãos das autoridades locais e dependem do modo como os tribunais interpretam essas leis e regulamentos.
Além disso, muitas empresas excluem dos seus códigos de conduta normas relacionadas com assédio sexual no local de trabalho.
Em março, a cidade chinesa de Shenzhen emitiu um guia inédito elaborado por nove departamentos governamentais, incluindo o Ministério da Educação e o Departamento de Segurança Pública, sobre a prevenção do assédio sexual.
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