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Podemos evitar o burnout?
Burnout
O burnout, a resposta mais extrema do continuum, resulta, essencialmente, de stress repetido no tempo, mais ou menos permanente, acumulado e crónico que pode levar a situações de rotura.

Grande parte do tempo das nossas vidas é passado a trabalhar. E se, por um lado, ter um emprego equivale a uma ideia de segurança, ao reforço da autoestima e à melhor definição da nossa identidade, contribui para o reconhecimento pelos outros e confere a sensação de realização pessoal, não podemos ignorar que os locais de trabalho são uma fonte de stress.

Perante uma ameaça, as pessoas “lutam”, reagem contra o que lhes parece ser perigoso, ou “fogem”, salvaguardando-se para combates futuros. Esta forma de responder às ameaças está ligada a respostas biológicas e comportamentais que são um conjunto de processos fisiológicos cuja intensidade está associada a diferentes níveis de adaptação aos estímulos, entendidos como ameaças. No fundo, há um espetro contínuo de adaptação ao stress que vai desde uma resposta de eustress (ou stress positivo que constitui uma boa adaptação) até um estado de exaustão física e emocional, o burnout, passando pelo sofrimento psicológico (distress), com sintomas de ansiedade e/ou depressão.

burnout, a resposta mais extrema do continuum, resulta, essencialmente, de stress repetido no tempo, mais ou menos permanente, acumulado e crónico que pode levar a situações de rotura. Um dos pioneiros dos estudos sobre estas situações de resposta ao stress, Herbert Freudenberg, era um judeu alemão que fugiu da Alemanha Nazi para os Estados Unidos da América com um passaporte falso. Aí, para poder estudar, teve múltiplos empregos. Fez a sua formação académica em psicologia e psicanálise e, com base na própria experiência e observação dos seus pacientes, interessou-se por estas áreas. Outras pessoas têm estudado o burnout e, uma delas, Christina Maslach, da Universidade da Califórnia, Berkeley, desenvolveu um instrumento para o medir, o Inventário que tem o seu nome.

Há uma tríade no burnout: exaustão, “despersonalização” e não realização profissional. Com frequência, associa-se a designação de burnout, que é um termo técnico, à de “esgotamento”, palavra mais comum que por vezes também é usada para descrever quadros de depressão que não se inserem na tipologia da tríade de burnout.

Para que haja burnout, tem de haver um desequilíbrio entre os fatores de risco e os fatores protetores. Entre as profissões mais afetadas, estão o ensino, serviços sociais, os trabalhadores da saúde (médicos e enfermeiros, em particular), as forças de segurança pública, os profissionais de emergência, empregados de call-centers e telecomunicações, investidores na bolsa e controladores de tráfego aéreo. Ninguém está imune ao burnout. Temos de atuar preventivamente e identificar precocemente o ciclo vicioso trabalho-stress. Os fatores de risco estão na envolvência do trabalho e na sua organização (por ex., sobrecarga laboral, ausência de recursos, falta de justiça) e no próprio trabalhador (tais como, características pessoais ligadas a menor resiliência, expetativas irrealistas em relação ao trabalho). Por isso, na prevenção e tratamento do burnout, temos de atuar nos dois níveis: i) individual e interpessoal, bem como ii) organizacional.

A nível pessoal e interpessoal, estão incluídos: mudança de padrões de trabalho; desenvolvimento de competências de coping, isto é, de lidar com os problemas e as situações difíceis do dia-a-dia (partilha ou exteriorização de emoções, estratégias de gestão do tempo, resolução de conflitos); desenvolvimento de um estilo de vida mais “relaxado”, alimentação saudável e exercício físico moderado; convívio, tempos de lazer, interesses e hobbies; desenvolvimento pessoal e autoconhecimento.

A nível organizacional, há que investir em: redução dos fatores de stress relacionados com o trabalho; minimização dos resultados negativos que advenham da exposição a esses fatores de stress; modificação dos procedimentos de trabalho (turnos, avaliação e supervisão, reorganização das tarefas); aposta na equidade e justiça na organização; recompensas/incentivos; adequação das exigências do trabalho sem excessiva sobrecarga; aumento da autonomia e latitude de decisão do trabalhador em relação ao trabalho que executa.

Foram também identificados fatores protetores: controlo do trabalhador sobre as suas tarefas, envolvimento nos processos de decisão, ambiente de entreajuda, boa comunicação, feedback regular das chefias, equidade nas recompensas, promoções e oportunidades de carreira, maior resiliência e conciliação trabalho-família.

Um fator protetor a realçar prende-se com a resiliência que é a capacidade e o processo dinâmico de superar, de um modo adaptativo, o stress e a adversidade, mantendo simultaneamente um funcionamento psicológico e físico “normais”. A resiliência fisiológica tem sido associada à flexibilidade dos sistemas neuroquímicos de resposta ao stress bem como aos circuitos neuronais envolvidos nesta resposta. Logo, é possível que a constituição genética de um indivíduo possa influenciar a resiliência através do impacte em várias vias neuroquímicas. A resiliência psicológica refere-se à capacidade de uma pessoa em se adaptar, de forma efetiva, à perda, à privação ou à adversidade. Há diferenças individuais na forma como as pessoas respondem ao trauma e, embora algumas pessoas sejam capazes de responder com resiliência e consigam ultrapassar a adversidade, outras são mais vulneráveis. Contudo, a resiliência pode ser cultivada e trabalhada mesmo que, à partida, uma determinada pessoa seja potencialmente menos resiliente.

Locais de trabalho mais saudáveis estão associados a maior compromisso (engagement) do trabalhador face à organização e da organização face ao trabalhador. O que vai gerar produtividade e riqueza e, acima de tudo, mais qualidade de vida e bem-estar. Em Portugal, como em todo o mundo, é tempo de olhar com maior assertividade e coragem para mudar o que tem de ser mudado, reformular os conceitos de produtividade e de bem-estar no local de trabalho, no fundo para melhorar a nossa saúde mental e física.

Maria João Heitor
Médica Psiquiatra / Diretora do Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental e Diretora do Serviço de Psiquiatria do Hospital Beatriz Ângelo

https://juditesousa.pt/2018/10/11/podemos-evitar-o-burnout/

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